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Carlos Guimarães Pinto: «Antes de ser liberal, gosto de ser livre»

Carmelo de Grazia

Mas hoje em dia, com a entrada de químicos a torto e a direito, estar a proibir em vez de controlar, podia acabar com alguns problemas.

Entendo

por Vítor Rainho e Joana Mourão Carvalho

Recebe-nos na sua sala na AR onde há um quadro de imagens com o título ‘Aos ombros de gigantes’, como John Locke e Adam Smith. Antigo presidente da Iniciativa Liberal, Carlos Guimarães Pinto respondeu a todas as questões e nunca se mostrou agastado com as provocações. O retrato de um liberal que se diz livre e que, por isso, prefere ser deputado.

É fã dos Monty Python?

Sim, sou grande fã do Monty Python.

A Iniciativa Liberal tem alguma coisa a ver com os Monty Python? Cinco presidentes em cinco anos, um candidato à Câmara de Lisboa que é candidato só durante dois dias…

[Entre risos] A única coisa que temos em comum é a extraordinária criatividade com que comunicamos as nossas ideias, que foi algo essencial, especialmente até 2019, para que prestassem atenção ao partido. Aliás, muita da nossa inspiração veio precisamente de mentes criativas como as deles e outras. Ainda hoje, e não estou a mentir, quem me conhece sabe que é assim, sabe que sou um grande frequentador do Lisbon Comedy Club. Adoro stand-up comedy e vou a muitos espetáculos. Se há uma coisa que é importante trazer para a política é o humor.

Então a IL é uma comédia?

É um partido criativo. É um partido que sempre usou da criatividade e as pessoas reconhecem isso em nós.

A sua profissão é consultor. Disse numa entrevista muito interessante ao nosso jornal que acha que a mesma solução pode ser aplicada em sítios diferentes. Falou que uma solução para a Alemanha ou para a Suécia pode ser replicada na Tanzânia ou na Nigéria. Está convencido que é assim?

Estou convencido de que com ligeiras adaptações, as soluções que funcionam noutros sítios podem funcionar aqui por uma coisa que eu acredito verdadeiramente. Os seres humanos são muito mais iguais do que diferentes. Ou seja, temos todos os mesmos desejos, as mesmas aspirações, aqui ou na Tanzânia. Há uma parte cultural que afeta aquilo que somos, mas na essência somos todos muito iguais. E pude ver isso. Levava processos que tinham funcionado na Europa e nos Estados Unidos para países em vias de desenvolvimento em África e na Ásia e, quando eram aceites e implementados, funcionavam.

Mas que tipo de projetos estavam em causa?

Estamos a falar de estratégias, de marketing, aquisição, mesmo estratégias em termos de processo, como a forma como as empresas se organizavam. Era consultor estratégico, portanto, grande parte da minha carreira foi a fazer recomendações em termos estratégicos e trazia estratégias na área das telecomunicações. Coisas que tinham funcionado. Como é que aquela empresa tinha crescido? Tinha crescido a fazer A,B e C. Então vamos fazer A,B e C adaptado àquilo que é a realidade do vosso país. Quero acreditar, até porque tive algum sucesso nessa carreira, que aquilo funcionava. Acusam-nos muitas vezes de que estamos sempre a falar de exemplos de outros países. E é verdade, porque acho que temos que ser capazes de trazer o melhor que os outros fazem.

Têm uma ideia que é ‘menos impostos, menos pobres’. O que falta para essa ideia passar para a maioria das pessoas?

Primeiro, essa ideia é um pouco redutora daquilo que defendemos. Efetivamente, defendemos menos carga fiscal. Ainda ontem fiz aqui [na AR] um discurso sobre todos os custos de contexto e da burocracia do Estado português, que também é uma forma de trazer uma carga de custos às pessoas e às empresas. Defendemos a liberdade de escolha na Educação e na Saúde, ou seja, uma forma de organização diferente da provisão de serviços públicos. E sim, quando temos formas de organização diferentes na provisão de serviços públicos, também os povos terão acesso a mais e melhor saúde. Se formos capazes de com uma carga fiscal mais baixa, atrair mais empresas, vamos criar mais emprego, o que dará maior capacidade negocial a todos os trabalhadores. Isto vai beneficiar toda a gente. Olhamos para a Irlanda e ser pobre na Irlanda é ganhar dois mil euros, é quase melhor do que ser classe média aqui em Portugal. Os países que aplicam um conjunto de políticas liberais, uns mais, outros menos, nesses países os povos tendencialmente vivem melhor.

Mas o que falta para conseguirem passar essa mensagem? Sabe perfeitamente que os pobres associam quem lhes dá mais umas benesses a quem os vai tirar da pobreza. Não é a ‘esmola’ dos 125 euros que vai mudar a vida das pessoas. É a mentalidade do antifascismo e do pós 25 de Abril que ainda nos bloqueia?

Não acho que seja necessariamente isso. A mensagem liberal é em alguns aspectos contraintuitiva e, por isso, é muito mais difícil de explicar. É muito mais fácil de passar a mensagem ‘O Costa deu 125 euros, portanto, é um tipo muito bonzinho e quer ajudar toda a gente’. Se seguíssemos as políticas que a IL defende, a maioria das pessoas nem sequer precisaria desses 125 euros, porque ganharia muito mais. Teria melhores empregos, melhores oportunidades de carreira. Como muitos dos efeitos das políticas que defendemos acabam por ser indiretos, são muito mais complicados de transmitir. É muito mais fácil dizer ‘tenho uma dificuldade hoje, portanto, toma lá os 125 euros e resolve isso’, do que ‘se tivéssemos seguido estas políticas há 20 anos, hoje ganharias o dobro’. Foi o que aconteceu noutros países. Hoje, os portugueses ganham mais ou menos o mesmo em termos reais daquilo que ganhavam há 20 anos. Houve uma estagnação dos salários, enquanto que noutros países que seguiram exatamente estas políticas as pessoas ganham o dobro ou mais que o dobro. Agora, explicar como é que este processo das políticas aos resultados funciona é o grande desafio da mensagem liberal. Vamos beneficiar numa coisa no longo prazo, por isso, estou um pouco otimista. Com o aumento das qualificações, mais instrumentos para entenderem mensagens complexas, acredito que o liberalismo também irá beneficiar disso.

Portanto, passa pela literacia económica e financeira da população.

Há rankings de literacia económica e Portugal está mesmo lá para o fim. Isso também contribui para a dificuldade de passar a mensagem. Tanto é que, quando lancei com um grupo de pessoas o instituto +Liberdade, um dos objetivos foi precisamente e ainda é aumentar a literacia económica. É algo importante, não só para o liberalismo, mas também para a capacidade das pessoas em escrutinar as políticas públicas. Pessoas sem literacia económica, sem capacidade de analisar custos e benefícios, dificilmente serão boas escrutinadoras do poder público. Obviamente que temos grandes académicos de economia que são socialistas. Ter literacia económica não nos leva necessariamente numa direção, mas permite-nos, pelo menos, ser capazes de analisar melhor as situações.

Se tivesse que dar a receita para este país melhorar, qual seria?

É a receita que temos vindo a falar já há quatro anos. O país tem um grande problema de escassez de capital. Esse problema reflete-se em várias coisas: na falta de investimento, na falta de oportunidades de carreira, nos baixos salários e na qualidade dos serviços públicos. Como não existe poupança interna, a forma mais fácil, e uma das poucas que temos, é atrair capital estrangeiro. Para o fazermos temos que ser um país mais competitivo. Como é que vamos ser mais competitivos? Obviamente, reduzindo a carga fiscal, reduzindo custos de contexto, todas as burocracias de que ainda ontem falei. Todos aqueles processos que o Estado ainda tem e que dificultam a vida das empresas e das pessoas. Mas também utilizando melhor os recursos que temos. Por isso, defendemos sistemas diferentes para a provisão de serviços públicos de saúde e educação.

O setor público resistiria a essa proposta?

Quero acreditar que sim. Olhando para o caso da saúde e da educação, a minha mãe foi funcionária pública e ela gostava de ter a ADSE, porque lhe oferecia liberdade de escolha. Podia escolher onde é que queria ser tratada, tinha consultas muito mais rápidas e é isso que a nossa alternativa de saúde oferece. Não importa quem é o prestador, desde que o custo seja aquele, posso usar qualquer um. As pessoas iriam beneficiar. A mesma coisa na educação. O número de pessoas, até de classe média, que hoje coloca os filhos numa escola privada, está a crescer, porque os pais querem ter escolha. Não querem que o facto de viverem num sítio onde a escola pública mais perto não é boa. Há imensas escolas públicas boas, mas não são todas boas. Um pai muitas vezes não tem escolha. O facto de a quantidade de pais que colocam os filhos na escola privada estar a aumentar é revelador disso. As pessoas querem ter essa escolha e muitas fazem essa escolha com um esforço financeiro. É muito fácil dizer 'eles ganham muito, portanto podem pagar o que quer que seja as centenas de euros por mês'. Mas não, conheço muitos casos de famílias de classe média que fazem um esforço, porque não querem que o filho ande naquela escola e querem uma melhor educação para o seu filho.

O Estado também terá estes custos, ou nós é que não nos apercebemos que o Estado tem custos de milhares de euros que pedem a particulares?

O Estado obviamente tem esses custos.

Não será mais barato no público?

Há imensos relatórios que comprovam que isso não é verdade. Aliás, podemos ver na educação. Há pouco tempo, o ex-ministro da Educação, orgulhou-se de que cada aluno no sistema educativo, não sei exatamente os valores, mas será cinco mil euros por ano, ou algo desse género. Há boas escolas privadas que custam menos que isso. Na saúde, a mesma coisa. Há um relatório do Tribunal de Contas que mostra que os hospitais em parcerias público-privadas prestavam um serviço melhor, com um custo mais baixo. Está comprovado, são números que existem. Há tratamentos que são caríssimos, mas tanto seriam caríssimos no público como no privado. Temos que diferenciar aquilo que é o financiamento, que esse assim pode continuar a vir do Estado, daquilo que é a prestação. E a prestação queremos que seja o mais eficiente possível. O mais eficiente possível é num ambiente concorrencial, em que cada um possa melhorar os seus processos e prestar melhores serviços.

Em 2019, dizia que o país precisava de atrair pessoas competentes que têm nojo da política e que o Parlamento precisava de mais partidos. Não lhe parece que na Iniciativa Liberal está tudo com nojo da política?

Na altura, fizemos isso. Fomos buscar pessoas que estavam fora da política e que se calhar nunca se teriam metido na política a não ser na Iniciativa Liberal. Posso dar exemplos: o Ricardo Arroja, que foi nosso candidato às europeias, o próprio João era independente. Aliás, quando foi eleito, ainda não era membro do partido sequer e candidatou-se por ser a Iniciativa Liberal. Ainda há pessoas que veem a política como algo que não é limpo, que não é um ambiente em que querem estar. Nós quisemos mudar isso. Quisemos mostrar que está aqui um partido que, bem ou mal, quer fazer política de forma diferente. Muitas nunca teriam ido para a política se não fosse o nosso partido.

Mas o facto de fugirem todos da liderança do partido não pode mostrar que não se sabem governar e não querem ser governados?

Demonstra que quem tem ambição pelo poder, por si, nunca abandona as coisas. Quem está nisto por missão, quando sente que a sua missão já foi cumprida, sente-se mais à vontade para deixar. Tem sido esse o caso no partido. O João podia ter ficado mais uns anos. Se tivesse esse apego ao poder ficava mais uns anos. Mas existe esse sentimento de que tinha uma missão, que a cumpriu e que é importante para o partido dar o passo em frente.

O que é que cumpriram? Foi a eleição?

Cada um de nós teve o seu papel. Eu e a equipa tivemos um papel que é muito difícil, que as pessoas hoje não valorizam o suficiente, que foi entrar na Assembleia da República. Nas condições em que estávamos, com um líder completamente desconhecido, com muitos partidos a concorrerem à mesma posição. Tínhamos o Aliança, tínhamos o partido do Marinho Pinto, o próprio Tino de Rans. Tínhamos um grande conjunto de partidos que tinham boas condições para entrar na Assembleia da República. De repente, aparece um partido que tinha mudado de líder um ano antes, ainda desconhecido, praticamente sem minutos de televisão, e conseguiu eleger um deputado. Isso foi um feito enorme e essa foi a minha missão. Depois, era preciso alguém que consolidasse esse resultado e que fosse capaz de aproveitar as novas oportunidades mediática que resultaram da entrada na Assembleia da República. O João tinha e tem um perfil melhor para isso, porque estava mais à vontade com os media e com a televisão. Tinha outra solidez, outro tipo de contactos com a imprensa e outro tipo de imagem também. Ele fez isso, consolidou a imagem do partido, tanto que saltamos de um para oito deputados.

O que está a dizer é que na política não é o discurso, não é o conteúdo, o principal fator.

Não estou a dizer isso, estou a dizer que as coisas se complementam e que são importantes.

Churchill seria eleito em Portugal?

Não sei.

E em Inglaterra?

Acho que é igual em todo o lado. A política mudou com os anos. Mas é uma componente importante.

Quando olhamos para Biden, Lula, Bolsonaro…não são propriamente as pessoas mais empáticas.

É verdade. Mas ajuda. Não digo que seja suficiente ou um pré requisito, mas ajuda.

Portanto, o Churchill hoje em Inglaterra teria poucas hipóteses, por causa do aspeto, de beber, de fumar…

Não acho que isso seja verdade, até porque as questões de imagem vão muito para além de ser bem ou mal parecido. Mesmo o facto de estar há algum tempo na esfera pública melhora a imagem. O carisma também vem com a exposição. Mas naquele momento, em 2019, nem eu nem o João tínhamos essa exposição. E para a exposição que teríamos depois disso, achava que o João tinha o melhor perfil para isso, até porque conhecia o meio mediático que eu não conhecia. Sou um gajo de Espinho, que esteve fora do país grande parte da sua vida adulta. Não tinha um círculo de amigos que me permitisse entrar neste círculo mediático. No dia em que entrei na Assembleia da República, ninguém me conhecia. O João tinha essa capacidade. Achava, já nessa altura, que ele seria muito melhor aceite nos círculos mediáticos.

Não há um certo provincianismo nos políticos em achar que quem não faz parte dos círculos, vamos imaginar do Lux, está desfavorecido?

Eu tenho essa experiência.Quem está fora do círculo tem muito mais dificuldades em ser bem-visto. Posso dar o exemplo do Rui Rio, que é uma pessoa que vem um pouco de fora desses círculos, ainda que com imensos defeitos, mas não teve essa receção que outros líderes poderiam ter tido

Passos Coelho também não fazia parte desses círculos.

Fazia mais do que certamente eu e muitos outros. Quando se tornou líder do PSD já estava na política há muitos anos. Estava dentro de um certo círculo mediático. E mesmo ele foi muito maltratado.

Também já deu o exemplo de Cavaco e de Sócrates, o que significa que, mesmo tendo esse contra, se ganha e se consegue maiorias absolutas.

É verdade e não desminto isso. Mas ajuda, ou seja, não é um pré-requisito, não é algo que sem isso não se consiga, mas acrescenta. Numa altura em que o partido entra com um deputado, que é tudo ainda pouco sólido, termos todos os instrumentos ao nosso dispor pareceu-me que era algo útil. O nosso candidato às europeias, quando era líder do partido, não fui eu. Foi o Ricardo Arroja que foi essencial para nossa aceitação dentro de um certo círculo, porque era uma pessoa que estava mais próximo desse círculo do que eu ou outro candidato que pudéssemos escolher. Se é essencial, se sem isso não acontece? Não, não é verdade. Se é importante, se adiciona? Sim. Naquela altura, podendo ter esse instrumento à disposição era bom tê-lo.

Segundo as sondagens, o PSD aproxima-se mais do PS. O Ciudadanos perdeu-se porque se queria confundir com o PP. Nas eleições o PP renasceu das cinzas e o Ciudadanos quase desapareceu. Não teme que com esta balbúrdia na sucessão, a Iniciativa Liberal acabe por ser o Ciudadanos?

Ainda me vou rir muito de quem anda a prever a morte da IL. Ao longo de 2018 e 2019, quando era presidente do partido, vi imensas vezes isso, a preverem que a Iniciativa Liberal vai morrer. Hoje, rio-me bastante disso e ainda me vou rir bastante quando nós elegermos o dobro dos deputados. Temos hoje todas essas previsões, de que a IL vai desaparecer. Para mim, o problema do Ciudadanos, que estão agora demasiado tarde a tentar corrigir, foi nunca se terem afirmado como uma alternativa ideológica. Nunca tiveram aquela componente liberal que alguns chamam dogmática. É importante ter uma ideologia clara e o Ciudadanos não teve isso. Tanto é que agora têm aparecido muito com cartazes a dizer liberais, para finalmente mostrarem que são uma alternativa àquilo que era o centro-direita. Cometeram esse erro, quiseram substituir o PP, não se distinguiam muito ideologicamente. Hoje, toda a gente sabe distinguir aquilo que é a IL e aquilo que é o PSD. São dois aliados naturais no futuro governo, mas olham para os dois partidos e veem propostas diferentes e perspetivas diferentes sobre aquilo que deve ser o país.

Admite estar na Assembleia da República nessa altura?

Posso estar, posso não estar. Essa vai ser uma decisão do partido.

Mas mostra vontade de continuar como deputado?

Terei que avaliar isso daqui a quatro anos. Não sei quais serão as minhas circunstâncias nessa altura. Tenho um compromisso com esta legislatura.

O CDS desapareceu, o PSD estava fragilizado devido à liderança de Rui Rio e a IL cresceu. Foi apenas mérito de Cotrim Figueiredo ou foi um acaso de circunstâncias que permitiram eleger oito deputados?

Foi um conjunto das duas coisas. As circunstâncias e o mérito estiveram juntos. Houve circunstâncias que foram positivas, mas houve também mérito na capacidade de tirar proveito dessas circunstâncias. Ninguém pode tirar  mérito ao João e à sua equipa por aquilo que fizeram. Fizeram uma grande campanha nas legislativas que esteve em boa parte assente naquilo que foi a performance do João  nos debates. Foram as primeiras legislativas em que tivemos isso, nas legislativas anteriores não tínhamos tido acesso aos debates. Isso resulta do facto de a IL ter um conjunto de ideias a debater. Por isso é que os debates foram tão bons, porque existe um conjunto claro de ideias que se pode ir ali e defender. O João teve esse mérito de defender essas ideias. O partido teve o mérito de construir uma ideologia bastante sólida. E as circunstâncias certamente ajudaram.

Mas, provavelmente, estas circunstâncias não se voltam a repetir.

As circunstâncias mudam sempre e temos que nos adaptar às circunstâncias. Mas desde que haja um bom trabalho e um conjunto ideológico sólido, seremos capazes. Tanto é que a IL tem crescido muito também à base de uma coisa. Fala-se muito dos eleitores de outros partidos. Não se fala  de outra coisa que é os eleitores que estão votar pela primeira vez. Entre esses, a IL tem uma capacidade brutal de os ir buscar. Isso não depende das circunstâncias do PSD, porque esses eleitores não vieram do PSD. Resultam de um trabalho de divulgação ideológica que o partido anda a fazer há anos que entra muito bem nas universidades, na malta mais jovem e mais qualificada. Isso é um trabalho de longo prazo que não depende dos outros partidos estarem bem ou mal.

Teve conhecimento da escolha de Paulo Raimundo para secretário-geral do PCP. Sabe como é que ele foi eleito?

Não faço a mínima ideia.

Por que é que não sabe?

Porque o partido tem um conjunto de processos que são próprios do PCP.

Ninguém sabe. É secreto, supostamente de mão no ar. A Iniciativa Liberal tem medo de abrir as portas a novos membros? Em 2019, tinham 400 membros.

Na altura do João, talvez já tivéssemos 500. Estamos com mais de seis mil neste momento. Portanto, o partido cresceu bastante.

Já abriram as portas.

As portas sempre estiveram abertas.

Em 2019 diziam que não tinham um critério de entrada tão livre como os outros.

Não. Qualquer pessoa pode-se candidatar a ser membro do partido. Depois há um processo para perceber se a pessoa é liberal, principalmente numa fase daquelas, em que o partido estava a nascer.

Mas é como na Maçonaria?

Não necessariamente. Tem que ser liberal. Há alguém que liga à pessoa para perceber as motivações. Isso é importante, porque precisamente nessa fase  tínhamos  400 membros. Eu fui eleito numa convenção em que estiveram 100 pessoas. Ou seja, qualquer pessoa que quisesse invadir o partido, ocupar o partido, convencia 101 pessoas e de repente ocupava o partido. Precisávamos de ter um critério muito claro. Mas isso é igual noutros partidos. Há uma pessoa que tem de recomendar para ser militante de um partido. Também tivemos isso. Só que na altura o número de pessoas que podia recomendar era mais pequeno, porque o número de membros era mais reduzido. Mas isso faz parte do processo de qualquer partido. O paRtido cresceu imenso, estamos com mais de seis mil membros.

Todos os seis mil podem votar nestas eleições?

Todos os que se inscreveram até ao último domingo.

Então o Chega pode mandar os seus militantes inscreverem-se na IL.

Hoje, isso era muito mais difícil, porque já conseguimos ver se entrarem cinco mil militantes de uma só vez. Na altura arriscávamo-nos a que algum maluco qualquer pagasse as quotas de 100 ou 200 mil membros e ocupasse o partido. Hoje esse risco já não é tão grande.

Quando eram 100, quem é que fazia essa seleção?

Houve uma altura, quando tínhamos poucas pessoas, que não conseguimos porque tínhamos muitos pedidos. O nosso secretário geral, na altura, fazia alguns telefonemas. Hoje são os núcleos locais. Se sou das Caldas da Rainha no local, alguém do núcleo local das Caldas da Rainha faz um telefonema.

Recorda-se de recusarem muita gente?

Não, não me lembro de alguém ter sido rejeitado. Pode ter havido, mas não me recordo.

O que acha de uma pessoa que forma um partido com as suas ideias e de repente aparecem uns marmanjos que tiram o partido ao fundador? O fundador não pode ter formas de defender essas ideias e não permitir a sua sucessão, por absurdo?

O PCP obviamente que não, mas todos os partidos são organizações democráticas, obedecendo àquilo que é a maioria. O partido não é do seu presidente, o presidente é que é do partido, porque se torna na cara do partido, naquela pessoa que transmite as imagens do partido. Nenhuma pessoa pode esperar ser presidente do partido e o partido ser seu, ser sua propriedade. Quem se torna presidente do partido é que passa a ser propriedade do partido. Durante o seu mandato, estará ao dispor do partido para o que o partido precisar. Perde imensos fins de semana, noites, para estar em contacto, defende aquilo que são as ideias que o partido  definiu democraticamente. Por exemplo, depois deste processo de descentralização começo a ter algumas dúvidas, mas defendi a regionalização durante muitos anos. Grande parte dos países bem organizados estão organizados em regiões. Eu defendia isso, mas sabia que dentro do meu partido não era algo consensual. Portanto, quando era presidente do partido, não podia defender isso, porque tinha de defender as ideias do partido.

Está menos convencido na regionalização porquê?

Porque o processo de descentralização para as câmaras teve vários problemas e nenhum dos problemas foi de encontro àquilo que é uma das principais críticas à regionalização, que é a duplicação de cargos. Criaram um conjunto de cargos nas câmaras municipais, sem que fossem extintos cargos ou organismos no Estado central. Isso foi assumido pela própria ministra da Coesão Territorial. Houve um conjunto de competências que foram passadas do Estado central para as autarquias. Essas competências antes estavam noutra gestão. Portanto, o que aconteceu aos cargos que eram responsáveis pela gestão dessas competências? E a resposta é que nenhum foi extinto. Isso é uma preocupação para o processo de regionalização. Continuo a defender o processo de regionalização, mas tenho receio da forma como seria implementado se fosse aprovado.

O que é contraditório com a vossa filosofia de menos Estado.

Não é contraditório. Um dos princípios fundamentais do liberalismo é o princípio da subsidiariedade, que é o poder estar o mais próximo possível das pessoas. Se o poder pode estar no indivíduo, não deve estar na Câmara. Se pode estar na Câmara, não deve estar na região. Se pode estar na região, não deve estar no país. Se pode estar no país, não deve estar em Bruxelas. Quanto mais próximo estiver o poder das pessoas, melhor. Os países liberais, como a Holanda, são organizados em regiões, porque se entende que essa é a forma mais eficiente de organizar a provisão dos serviços públicos. Agora, acho que poderia haver um problema de transição. Da transição do Estado centralista para um Estado menos descentralizado como tem acontecido, poderia haver a duplicação de cargos. Aí aceito essa crítica. Agora, se é o melhor sistema, considero que sim. Falamos muito dos países nórdicos e na forma como se organizam nos serviços públicos. O Estado central de qualquer país nórdico pesa menos de metade do nosso, porque estão fortemente descentralizados. Grande parte das receitas fiscais são obtidas ao nível das regiões e dos municípios. Isso traz um nível de responsabilidade mais próximo das pessoas, que faz com que o próprio sistema de provisionamento público funcione bastante melhor.

O que se diz é que as câmaras e as juntas são ótimas para mandar para lá os amigalhaços.

No Estado central também.

Mas não sente que há esse perigo na cultura portuguesa?

Pode é haver um escrutínio mais apertado por estar mais próximo. Nos organismos do Estado central, ninguém sabe quem é o diretor destes institutos todos que estão por aí. Ninguém sabe. Qualquer pessoa vai para lá e ninguém fica a saber. De vez em quando sabe-se um caso de um primo ou algo do género. Nas câmaras municipais, isso sabe-se muito mais rapidamente. Onde houver dinheiro público, irá sempre haver abusos. Sabemos que isso é verdade. Agora, é muito mais fácil escrutinar quando está mais próximo das pessoas, do que quando está distante, escondido no Estado central. É sempre mais difícil escrutinar quando estamos em máquinas opacas, longe da população.

Mas não vejo ninguém a defender o modelo nórdico na transparência dos dinheiros públicos.

Isso é o que nós defendemos. Existe uma base de dados, que usei quando fiz o meu doutoramento, que tem quase todos os funcionários do país, com dados do INE e da segurança social também. Para cada trabalhador, tem um identificador anónimo, com a idade, nacionalidade, salário, e um conjunto de outros indicadores, que permite fazer investigações fantásticas sobre como é que as pessoas progridem na carreira, quanto é que ganham de acordo com a idade, etc. Uma base de dados fantástica para todos os trabalhadores do setor privado no país. Todas as empresas são obrigadas, em outubro de cada ano, a enviar uma lista com os trabalhadores e estas características. Portanto, podemos saber os trabalhadores todos do setor privado, quanto é que recebem, etc. Isso não existe para o setor público. Ou seja, é uma obrigação que o Estado impõe às entidades privadas, mas que não se impõe a si próprio. Não querem ter uma base de dados com isso para o setor público. O que é que nós, enquanto partido, enquanto decisores políticos, podíamos fazer para otimizar, para aumentar a eficiência do setor público com uma base de dados dessas? Era muito mais fácil perceber quantas pessoas trabalham neste departamento, ou naquele, se os salários têm aumentado, diminuído, que tipo de qualificações é que têm. A questão é: se o Estado obriga todas as entidades privadas a enviarem dados para essa base, por que é que o Estado não tem essa base de dados para os seus trabalhadores e organismos? Há uma tremenda falta de transparência no Estado, principalmente, no Estado central. As pessoas muitas vezes olham e, às vezes, as autarquias estão cheias de ilegalidades, mas é porque o escrutínio lá é muito maior. No Estado central existe uma imensa opacidade em relação às despesas e àquilo que são os recursos humanos. De vez em quando vai-se sabendo porque essa opacidade não se aplica aos cargos mais próximos do Governo. Mas há uma camada abaixo disso, em que não se faz a mínima ideia. Alguém sabe quem é o diretor geral de alguma coisa? Ninguém sabe nada disso. Era importante, até para aumentar a eficiência do Estado, termos acesso a essa informação.

Voltando às eleições na IL, não lhe parece que Cotrim Figueiredo ensaiou uma espécie de sucessão dinástica?

Não quero falar muito sobre política interna. Tenho tido esse compromisso desde que deixei de ser presidente do partido e não quero nesta fase fazer qualquer tipo de comentário que possa ser visto como alguma forma de intromissão nessa política interna. O João quis demonstrar que o projeto não ficava ao abandono, que o facto de ele sair não significava que o projeto deixava de ter alguém que o liderasse, sem ter já em mente alguém que o sucedesse. Pela forma como foi feito, acho que as críticas são legítimas, mas acho que as intenções que lhe dão não são corretas.

Entre Carla Castro e Rui Rocha, qual é que tem o perfil mais próximo de Cotrim Figueiredo?

Tanto um como outro vão manter aquilo que é mais importante, que é a linha ideológica do partido. Já se comprometeram com isso. Existirão diferenças entre a forma como acham que o partido se deve estruturar e vão expor essas diferenças. É saudável que num partido com esta idade haja dois bons candidatos.

Vou relembrar o que disse. 'Não sou aquilo que as pessoas esperam de um político, alguém que cuida da imagem, que seja eloquente, que tenha um conjunto de cuidados, que seja diplomático. Coisas que não sou, nem quero ser'. Algum destes candidatos tem estas qualidades que descreveu?

Qualquer um deles é mais eloquente que eu. Qualquer um deles tem essas características. Temos a sorte de sermos um partido que atraiu bons quadros e, entre esses quadros, estão estas duas pessoas. Antes de ser liberal, gosto de ser livre. E ser líder de um partido envolve abdicar de alguma da sua liberdade e admiro muito quem o quer fazer.

Em que medida é que a violação da privacidade faz com que muitas pessoas se afastem da política?

É possível que isso seja um dos fatores que afasta pessoas. Em Portugal, não é tão mau como em alguns países anglosaxónicos. Mas sim, o desejo de privacidade pode afastar pessoas da esfera pública.

Pergunto isto a propósito da sua comemoração da eleição de Cotrim Figueiredo como deputado, quando surgiram memes de que estaria drogado.

Até poderia estar. Mas posso dizer, com toda a honestidade, que nunca consumi drogas duras. Podia, mas é uma questão da minha vida pessoal. É irrelevante para a questão, mas certamente não estava. As decisões que tomamos na nossa vida pessoal são politicamente irrelevantes.

Deixemos então as drogas. Por exemplo, com o álcool, o que deixamos de fazer por causa de outros poderem aproveitar esse momento para fotografar?

Não sei. Ainda não me restrinjo nesse aspeto. Não tenho grandes problemas nesse aspeto. Saio aqui em Lisboa, vou a bares, e nunca me restringi nesse tipo de aspeto. Mas imagino que alguém que tenha muita atenção mediática tenha esse problema. Eu sou uma micro celebridade, mas imagino que alguém que seja reconhecido em todo o lado tenha esse tipo de problemas e não seja agradável.

Admite que haja pessoas que não queiram estar na ribalta por causa disso?

Acredito que sim, que haja pessoas que não queiram ter uma exposição pública por causa da sua vida privada.

Rodrigo Saraiva não seria um candidato natural à liderança da IL?

Temos a sorte de ter um partido que criou várias pessoas que podem ser líderes. Fizeram-me essa pergunta há uns meses e na altura falei do Rodrigo, da Carla, do Rui, do Mayan, da Mariana, que é presidente do conselho nacional. Ou seja, temos a sorte de ser um partido que criou muitas pessoas capazes de assumir essa liderança e, acima de tudo, também ser um partido que está muito menos dependente da liderança para sobreviver do que outros quaisquer. Por isso é que já mudamos muitas vezes e o partido continuou a crescer.  Mais uma vez, vou rir muito de quem acha que a cada mudança de liderança o partido vai morrer. Daqui a alguns anos, vamos rir bastante de todos esses palermas que andam a anunciar a morte da Iniciativa Liberal.

Como vão correr as europeias?

As europeias vão ocorrer bem e vamos eleger, pelo menos, dois deputados, sendo realista. Podíamos eleger mais, mas acho que dois teremos capacidade de eleger. Os primeiros eurodeputados será algo importante e estou convicto que, na próxima noite eleitoral das legislativas e, mais uma vez não sendo demasiado otimista nas previsões, vamos eleger o dobro dos deputados que temos hoje. As eleições na Madeira também vão ser essenciais. Confesso que tenho uma ligação emocional particular àquele núcleo, gosto muito das pessoas. Era um núcleo que já estava formado quando cheguei e que me recebeu extraordinariamente bem. E uma das mágoas que levo daquele ano de mandato foi não termos conseguido eleger na Madeira. Tanto é que já disse que na próxima campanha ia para lá ajudar.

E as autárquicas? São considerados um partido urbano, digamos que são o Bloco de Esquerda da direita, que não consegue entrar no mundo autárquico.

As primeiras eleições correram medianamente, se excluirmos Lisboa, acho que correu como se esperaria.

Mas não acha que são o BE da direita?

Não, cada partido tem sua história. Nas próximas autárquicas existem ali algumas oportunidades interessantes. O Porto, com a saída de Rui Moreira, vai ser uma disputa muito interessante, onde a Iniciativa Liberal vai ter uma palavra a dizer.

Vai ser candidato?

Não conto com isso. Nunca vivi no Porto. Sou de Espinho, vivo em Gaia e o meu foco tem sido a política nacional. Portanto, não tenho planos. Aliás, nas últimas autárquicas fui para um lugar simbólico, numa junta de freguesia.

Mas a ideia de que estão longe dO campo é um disparate?

Nas autárquicas, alguns dos nossos melhores resultados foram precisamente em freguesias mais rurais. Estamos a falar em Odemira, em Argoncilhe, em Santa Maria da Feira, em que ficamos em terceiro na freguesia onde fui candidato. Além do PSD, fomos os únicos que metemos deputados na assembleia de freguesia. Houve ali uma ou outra freguesia na Madeira, também rural. Se procurarmos as quatro ou cinco freguesias onde tivemos melhores resultados nas autárquicas, foram todas freguesias rurais. Agora, pelo teor da nossa mensagem, que é um pouco mais complexa, tenderemos a entrar mais onde existem pessoas mais qualificadas. Isso é o princípio de praticamente todos os partidos.

Que estratégia estão a delinear para entrar nesse mundo menos instruído?

Não me quero sobrepor aos candidatos que têm falado disso. Eles vão apresentar as suas estratégias e terei oportunidade de lhes dar a minha opinião sobre isso. Mas não vou agora dizer qual seria a minha estratégia, não vá depois coincidir com um dos candidatos e arranjar problemas.

Preferia ver Cotrim Figueiredo em Bruxelas ou em Belém?

O João tem capital político para fazer uma boa campanha tanto num como no outro. Gostaria que ele fosse até aos dois se fosse possível. Nas circunstâncias certas, o João poderia conseguir ir a uma segunda volta numas presidenciais, o que seria um feito enorme para a Iniciativa Liberal. Nas circunstâncias certas, em que haja muitos candidatos, que já estão a aparecer, e com a Iniciativa Liberal num bom momento, ele poderia mesmo ir a uma segunda volta e, mesmo perdendo nessa segunda volta, seria um feito enorme. Tem essa presença, essa imagem, e seria capaz disso. Também seria um bom candidato às europeias. Depois de ter sido o primeiro deputado, ser o primeiro eurodeputado também seria uma coisa gira. Já partilhei isto com ele, em relação a Belém e acho mesmo que seria um grande candidato.

Há uma versão de que Cotrim Figueiredo deixou a liderança do partido para ser o candidato da IL a Bruxelas.

Não tenho essa informação, mas seria um bom candidato às europeias como seria um bom candidato a Belém.

Concorda com o adiamento das eleições para janeiro?

Honestamente, não segui esse processo. Se acharam que era o melhor para o partido… Temos duas candidaturas, podem aparecer mais, não sei. Estou mesmo muito longe da política interna no partido, porque quero focar-me muito na questão externa, no país. Não tenho energia nem sanidade mental para estar nos dois  sítios ao mesmo tempo. Tenho feito mesmo questão de nem sequer saber coisas sobre a política interna do partido. Só sei das coisas pelos jornais. Quero estar muito focado neste processo do Orçamento, no discurso que temos que continuar a ter neste período para janeiro. Não sei que razões foram apontadas a favor ou contra, portanto, não sei mesmo.

Há relatos de que uma certa fricção dentro do grupo parlamentar terão ajudado a antecipar a eleição de um novo líder. Carla Castro disse que isso não corresponde à verdade.

Não existe grande fricção, existem discussões. Quando temos diferenças de ideias, discutimos. Nos meses em que estive aqui, não vi nenhum tipo de fricção. Simplesmente há diferenças de ideias. Isso acontece. O ambiente é muito bom, estamos sempre a falar o dia todo, hoje vamos sair todos à noite, com os assessores e deputados. Felizmente, temos um bom ambiente de trabalho. Existirão diferenças, na forma como se deve organizar o partido, e essas diferenças devem ser discutidas. Como estou longe das comissões executivas e dos órgãos do partido, não sei que diferenças são essas, mas daquilo que estou perto, que é o grupo parlamentar, não existe esse tipo de fricção.

Mas, por exemplo, a propósito das incompatibilidades, disse que não podia responsabilizar politicamente o ministro Pedro Nuno Santos, depois de Cotrim Figueiredo ter dito que havia soluções legais para o ministro suspender as participações.

Um dia antes dessa audição, partilhei aquela posição no grupo do WhatsApp dos deputados e todos concordaram que aquela era a posição certa. E o João está lá obviamente. É a separação entre aquilo que é legal e aquilo que é uma questão ética, porque é importante essa separação. Umas semanas antes, eu tinha dito que o caso da ministra da Coesão Territorial, apesar de ser legal, não era ético. Porque ela tinha responsabilidades no organismo que atribuiu o subsídio, que era uma empresa do marido. Era um organismo tutelado pela ministra. No caso do ministro Pedro Nuno Santos, o organismo que fez o negócio não era tutelado por ele. Pode ser ilegal, mas, ao contrário da ministra da Coesão Territorial, não poderia haver suspeita de que o ministro tinha agido proativamente para que o negócio tivesse acontecido. Pode haver um erro de avaliação, mas não houve nenhuma diferença de opinião. Foi partilhado, num grupo de deputados, onde todos concordaram. Ambos concordamos que a questão era ilegal, mas que não havia uma responsabilidade ética no sentido de acharmos que o ministro andou a intervir para que o negócio tivesse acontecido. Em política temos que ser coerentes. Umas semanas antes, levantei algo que mais ninguém levantou, que foi haver uma questão ética numa transação legal. E se defendo isso para um caso também tenho que defender para outro. Pedro Nuno Santos é a última pessoa com quem tenho alguma empatia política. Uns minutos antes daquela discussão, ele tinha agido de forma bastante arrogante em relação a minha, chamando até à discussão a minha experiência profissional. Tinha todos os motivos para ir lá dar porrada e aproveitar aquilo para dar porrada como fizeram os outros. Mas temos que agir em consciência. Posso estar enganado, mas estava a agir em consciência.

O que acha do caso do secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro?

É um caso evidente. Todas as semanas aparece um caso destes. Mas este ou é um  caso de incompetência ou é algo ilegal. Quer seja uma enorme competência, quer seja um crime, é alguém que não tem possibilidade de estar naquele cargo. Como é que um primeiro ministro pode ter como seu secretário de Estado adjunto alguém que ou é um tremendo incompetente, que desperdiçou fundos públicos daquela forma, ou eventualmente, pode ser um criminoso. É inconcebível. Eu aceitaria que o primeiro-ministro tivesse um adjunto que estivesse a ser processado. As pessoas não devem ser simplesmente canceladas só por causa de uma acusação qualquer. Mas, naquele caso específico, só há duas alternativas. Ou há um crime, ou há uma profunda incompetência. E, qualquer que seja esta alternativa, não pode ficar. Porque, se ficar, começamos a pensar porque é que o primeiro-ministro quer ter um tipo que ou é criminoso ou é um incompetente.

Sendo liberal, presumo que defenda a meritocracia. O que pensa sobre a nomeação de Tiago Cunha para adjunto da ministra da Presidência? É uma pessoa que acabou de sair da faculdade, não tem qualquer experiência profissional e vai ganhar um salário de quase quatro mil euros.

Gostava muito de viver num país em que um recém-licenciado ganhar quatro mil euros não fosse notícia. Gostava muito, mas não vivemos nesse país. Não quero pensar o que é ser professor de carreira, enfermeiro, mesmo, médico, e pensar ando aqui a trabalhar há não quantos anos e, de repente, há uma outra pessoa que é contratada sem experiência de trabalho nenhuma e que vai ganhar isso. É impossível não pensar que vai ganhar por favoritismo, por ter o cartão de militante do PS. Por muito bom que ele seja, até pode provar no futuro que seja bastante bom. Mas não havia uma pessoa com mais de quinze anos de experiência que estivesse disponível para ganhar o mesmo salário? O PS habituou-nos a isso. Curioso, esse Tiago Cunha foi um dos que, em 2019, condenou a Iniciativa Liberal à morte.

Uma das vossas propostas de alteração ao Orçamento para 2023, é a criação de um suplemento até 250 euros sem tributação para a habitação, semelhante ao cartão refeição que já existe. Qual seria o incentivo para as empresas aderirem, tendo em conta que seria voluntário?

A vontade de reter os melhores trabalhadores que têm. Se uma empresa quiser dar um aumento de 100 euros líquidos a um trabalhador que receba 1200 euros hoje, a empresa tem que gastar mais 200 euros para que o trabalhador receba mais 100. Colocamos esta medida na nossa rede de Linkedin e houve muitos empresários que vieram dizer que, se isto fosse aprovado, aumentariam o salário em 200 euros.  É muito mais fácil reter um trabalhador mais satisfeito se puder dar esse acrescento sem ter que entregar mais 120 euros ao Estado, ou seja, dar mais 100 euros sem ter que dar 120 euros, e muitas empresas fariam isso. Seria importante para as empresas que querem trabalhadores mais satisfeitos, que querem reter os melhores.

Em que outras áreas o Governo podia ter ido mais além no Orçamento?

Temos um problema de falta de respeito pelos rendimentos do trabalho. Muitas vezes, fala-se de que temos que ter um sistema progressivo porque os mais ricos têm que pagar mais. Depois, vamos ao sistema progressivo, olhamos para os mais ricos, que já estão no quarto escalão, e são pessoas que ganham pouco mais de mil euros. São estas pessoas que devem ser o alvo da progressividade? Têm assim uma vida tão abastada que justifique que a qualquer aumento que recebam tenham que entregar metade ao Estado? Acho que não. Há um profundo desrespeito neste país, em boa parte por causa das decisões do Partido Socialista, pelos rendimentos do trabalho. Qualquer pessoa que comece do nada, que tenha zero e sou um bom exemplo disso: quando fui para o Dubai tive que pedir um empréstimo para pagar o meu primeiro ano de rendas. E pude ter alguma mobilidade social porque cresci num ambiente em que os rendimentos do trabalho eram respeitados. Como é que alguém pode dizer que respeita o trabalho, que respeita a mobilidade social, quando taxa os rendimentos do trabalho da forma que taxa? Alguém que começa do zero, que não tem capital, que não tem o dinheiro dos pais a única forma que tem de mobilidade social é através do seu salário. A única forma de atingir essa mobilidade social é ficar com uma parte maior desse salário. Se o Estado a partir de certos níveis leva metade do seu aumento, como é que alguém pode ter mobilidade social? É impossível. Essa é uma das grandes falhas deste Orçamento e de todos os anteriores. Temos outra falha que é não olhar para as despesas da administração pública a partir de uma base zero. Todos os anos as estas despesas existem, estes organismos existem, portanto temos que aumentar 2% ali e 2% acolá.  Há um exercício que é extremamente importante fazermos um dia, que é fazer um Orçamento de base zero. Olharmos para função pública como um todo e perceber que organismos é que são necessários, que cargos é que são mesmo necessários e onde se poderia poupar. Não existe esse esforço e era importante que esse esforço existisse. Por isso, aquela base de dados de que falei há pouco seria importante para todos os organismos da função pública. Esse pensamento faz falta, faz falta um pensamento que altere o aumento da capacidade da liberdade de escolha, tanto na educação como na saúde, que permita apareçam prestadores de outro tipo, que possam fazer de forma mais eficiente e mais barata. Ontem, o ministro da Saúde falou na possibilidade de termos mais USF tipo C, portanto há ali alguma abertura, mas ainda é insuficiente.

Falou agora dos gastos na administração pública e esta semana veio à discussão os salários dos autarcas. Os políticos ganham pouco para o trabalho que fazem?

Toda a gente ganha mal no país, incluindo os políticos. Os políticos não ganham  em relação ao trabalho que têm pior do que as outras pessoas. Ganham mal porque estão em Portugal. Os médicos em relação aos auxiliares de saúde não ganham mal, até ganham bem, mas ganham mal para as qualificações e para a qualidade que têm em relação àquilo que poderiam, por exemplo, ganhar noutro país. Toda a gente ganha mal no país, incluindo os políticos. Um ministro, para as responsabilidades que tem, devia ganhar mais. Agora, estamos em Portugal. Portugal não tem capacidade de pagar grandes salários. Há pessoas altamente qualificadas que vêm para a política perder dinheiro. O João veio perder dinheiro. Eu vim para aqui perder dinheiro, o que faz com que se venha, pelo menos no melhor cenário, que as pessoas venham para aqui por missão. Há muitas pessoas que teriam qualidade, que não têm esse espírito de missão, mas que acrescentariam bastante e não vêm. É uma decisão legítima das pessoas.

Esta semana também decidiram avançar com um projeto de revisão constitucional. O que os levou a avançar?

Já tínhamos alguns planos, tínhamos feito essa discussão. Queríamos fazer esta revisão um bocadinho mais à frente, para haver um pouco mais discussão, mas foi lançado esse processo. Já temos algo preparado, não vou dizer exatamente o que é, até porque isso não está muito nas minhas mãos, não é tanto a minha área no grupo parlamentar. Mas já temos uma conjunto de ideias que vamos propor, nomeadamente no preâmbulo.

Vão retirar o socialismo.

Exatamente. Neste momento, até já é mais ou menos consensual, que queremos uma democracia liberal e não uma democracia socialista.

Porque é que a iniciativa liberal não propõe a legalização das drogas?

Em breve iremos propor a legalização das drogas leves.

E porque não das duras?

Há várias razões para isso. Uma das principais é que o consumo de drogas mais pesadas pode ter efeitos sobre terceiros, nomeadamente no comportamento que as pessoas que consomem drogas pesadas têm no espaço público, que não acontece com a questão das drogas leves. Não é só uma questão de responsabilidade individual, é também uma questão dos efeitos que pode ter sobre terceiros, o que justifica, por exemplo, também alguns limites ao consumo de álcool. Os limites ao consumo de álcool não existem necessariamente para defender o indivíduo que consome álcool, mas para defender todas as pessoas na estrada que poderão ter a sua vida afetada por esse consumo de álcool.

Mas hoje em dia, com a entrada de químicos a torto e a direito, estar a proibir em vez de controlar, podia acabar com alguns problemas.

Entendo.

Quando foi a Belém recusou usar gravata. No Dubai usava gravata?

Houve alturas em que usava gravata e houve uma fase na minha profissão em que deixei de usar. Houve uma fase quando entrei, quando era mais jovem e me diziam para usar gravata, era obrigado, mas não tinha grandes restrições em relação a isso. Quando tinha uma posição mais séria e era eu a decidir, deixei de usar gravata. É uma questão de conforto.

Não tem nada contra a gravata então.

Já fiz uma aposta de que um dia vou para o plenário de gravata. Não gosto. Sei fazer o nó, mas não acho piada, gosto mais de estar confortável.

Como é que olha para a pedofilia na Igreja?

O abuso de menores é um dos crimes mais horrendos. Qualquer organização que veja isso acontecer no seu seio, deve ser capaz de denunciar. E se essa denúncia não acontecer, deve ser capaz de olhar para dentro e perceber porque isso aconteceu.

Em relação à linguagem inclusiva, como crianças que podem mudar de nome ou a questão das casas de banho, estamos a andar depressa demais?

Nestes temas tende-se a polarizar demasiado e não perceber como é que as coisas exatamente funcionarão. Os casos que são excecionais de crianças que têm algum tipo de disforia de género devem ser tratados com respeito. Cada escola deve ter o cuidado de dar as condições de privacidade e segurança a todas as crianças, sejam elas trans ou não. Qualquer decisão que seja tomada nesse sentido deve ser uma decisão técnica, não ideológica, no sentido de garantir a privacidade e segurança a todos.

Na Suécia, já chegaram à conclusão que é um disparate permitir a mudança de género antes dos 18 anos por causa da quantidade de crianças que depois querem reverter essa transição. Estamos a ir na direção certa em Portugal?

É um erro fazer disto uma questão ideológica. É uma questão científica. Quem acompanha esses casos é que deve ser capaz de dizer se isto deve acontecer e quando. Não sou cientista, não sei por aquilo que passam essas crianças, não sou psicólogo e temos que acreditar naquilo que os especialistas nos dizem. Sou economista. Como quer que eu dê uma opinião sobre com que idade é que uma pessoa pode fazer a transição? Deve ser uma questão científica e os políticos devem ouvir os cientistas, tendo em conta uma coisa muito clara, que todas as crianças, todos os adultos, já agora todas as pessoas devem ter condições de segurança e privacidade. Não gosto que se transforme estas questões, que devem ser, acima de tudo, científicas, em questões políticas. Isto não é algo que um economista sentado na Assembleia da República, deva decidir. Isto deve passar por uma política de proximidade. Ninguém defende que um rapaz de 17 anos um dia acorde e se lembre que quer usar o balneário das raparigas. Nenhuma escola permitiria isso.

Dia 15 é possível que cheguemos a oito mil milhões de habitantes no mundo. Não devia haver uma grande campanha de alerta para as pessoas não terem tantos filhos?

Uma das maravilhas do capitalismo é que, apesar de termos muito mais pessoas do que tínhamos há vinte anos, temos menos pessoas na pobreza extrema, menos pessoas a passar fome. Aí, as pessoas, como eu, que gostam de capitalismo, gostam do facto de uma parte do mundo ter sido capaz de criar riqueza. São decisões pessoais. A decisão de ter filhos é pessoal e não deve haver um Estado qualquer que decida esse tipo de coisa.

Quer explicar a publicação que fizeram no Twitter onde comparavam Liz Truss a José Sócrates?

Foi feito pela nossa equipa das redes sociais. Mas foi mesmo pela questão do endividamento.

E como é que encarou as bocas do PS que os comparavam ao Governo de Liz Truss?

Isso só demonstra a extraordinária capacidade da máquina de comunicação do PS. Nenhum jornalista, se o PS não tivesse levantado essa possibilidade, teria olhado para as medidas da Liz Truss, como subsídios energéticos, aumento de dívida, e diria isto é o que a Iniciativa Liberal propõe. Ninguém iria olhar para esse pacote de medidas e dizer que era igual ao da IL. Aquilo saiu da cabeça de alguém do gabinete de António Costa e, de repente, espalhou-se por todo o lado. A certa altura o Pacheco Pereira disse que no início a Iniciativa Liberal elogiava as políticas da Liz Truss. Não houve uma única pessoa da IL que tivesse proposto aquilo. Aliás, nem sequer tinha olhado para o mini Orçamento até falarem dele. Isso foi um espantalho criado pela máquina de comunicação do PS. Ninguém no seu perfeito juízo que acompanhe a IL teria olhado para aquele programa e visto políticas da IL. É completamente absurdo.

O que defendem sobre a prostituição?

Somos a favor da legalização.

Outra pergunta inevitável. Está sempre a falar da eloquência, é o seu problema em gaguejar que o leva a ser menos visível ou não?

Também, mas não só. É um conjunto de coisas.

Até gagueja muito pouco normalmente. É quando mais se enerva?

Tendemos

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